Na literatura, qual é o seu malvado favorito? Imaginemos cenário em que tal pergunta fosse recorrente e demandasse respostas (na verdade, o que se exige aqui é um espaço preenchido). Nessa imaginária galeria de infames, há um trio da pior estirpe: Lorde e Lady Macbeth, da peça homônima de William Shakespeare, e o também shakespeariano Iago, o dissimulado amigo da onça da tragédia “Otelo”. Turma da pesadíssima no quesito crueldade e velhacaria. Mas vou restringir essa lista aos sacanas criados por autores brasileiros e portugueses. Sem hierarquizar nem enfileirar os malandros em ordem crescente ou decrescente de patifaria, cito alguns que a memória recupera. Como o João Romão de “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo. A falta de escrúpulos do sujeito espanta: ele furta, rouba, engana, mata. O primo Basílio, do romance de Eça de Queirós, é outro tipinho encardido, egocêntrico como ele só. Tem ainda o casal arrivista Cristiano e Sofia Palha, do “Quincas Borba”, de Machado de Assis (há quem tome os dois como oportunistas, não necessariamente canalhas. A reconferir). E nessa turma, há lugar para o desconfiadíssimo Bento Santiago, protagonista de “Dom Casmurro”? Ou seria ele “apenas” vítima de ciúme doentio? (Não esqueça o leitor que Bentinho pensou em se matar tocando veneno em xícara de café, e que ofereceu a bebida para uma criança pequena, de quem dizia não ser seu filho). O ciúme também corrói as entranhas de Paulo Honório, do “São Bernardo”, de Graciliano Ramos. Fica difícil classificar tal fazendeiro de “bom moço”, dada sua ascensão social forjada por assassinatos, invasão de terra e coerção. PH não liga para o filho que teve com Madalena. E no quesito papai relapso, o que dizer do malandro Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, que furtou dinheiro do próprio filho para viajar em cruzeiro transatlântico? Bem menos cruel, é claro, do que o padre Amaro, de Eça de Queirós, que se livrou do filho ainda bebê, entregando-o a uma “tecedeira de anjos”. Uau!
Mas suavizemos a listagem, nela incluindo José Manuel, caça-dotes de “Memórias de um sargento de milicias”, de Manuel Antônio de Almeida. Seus pecados maiores são maledicência e fofoca. E perguntemos: o cacique Irapuã, apaixonado por Iracema, no romance de José de Alencar, é um vilão? Ou será que o líder guerreiro quer apenas proteger sua gente dos invasores representados pelo português Martim Moreno (de questionável bom-mocismo). Deixo o Ceará para desembarcar nas terras gaúchas de “O Continente”, de Érico Veríssimo: desprezo olímpico para Bento Amaral, o que tentou matar à traição um certo capitão Rodrigo Cambará. Gentalha, gentalha! E o emplumado Aristarco, diretor de “O Ateneu”, de Raul Pompéia, tem lugar no panteão? Ou ainda o bajulador Genelício e o preguiçoso e cruel Floriano, de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto? O autor carioca criou também Cassi Jones, irresponsável sedutor de “Clara dos Anjos” (nessa toada do usa e descarta lembro o Julião Tavares, de “Angústia”, de Graciliano). A lista segue, mas por enquanto é o que preciso para dar os trâmites por findos.
Fernando Bandini é professor de Literatura ([email protected])