OPINIÃO

'Salve Silva!' (Parte 4: O Jogo)


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Silva ficou preso por um ano e meio. Foi acusado de promover um atentado contra a democracia. Mas para a opinião pública, a "Marcha Fluminense", como ficou conhecida, só rendeu a ele mais reconhecimento. Todos os dias recebia cartas de apoiadores e manifestações positivas. Vigílias eram feitas na porta do presídio, produtos com a frase "Salve Silva" eram vendidos à exaustão e uma versão da bandeira do Brasil com a esfera em preto e branco era um símbolo da resistência.
 
O tiro que ele tomou naquela tarde de natal pegou de raspão, mas seus apoiadores chamavam de milagre. Se um dia Bolsonaro havia sido chamado de Mito, hoje, Silva era muito maior do que isso. Bolsonaro, aliás, que naquela altura estava sob asilo político na Arábia Saudita junto com seus filhos. Fugiu, diferente do Silva que ficou e lutou.
 
Uma horda de advogados tentava a todo custo encontrar brechas na lei para anular a condenação de mais de 15 anos de prisão. Deputados que queriam ganhar palanque nas costas de Silva, lutavam por um pedido de anistia. Não seria fácil, se não fosse a aclamação popular e o interesse político. Cláudio Boaventura, um ilustre desconhecido do ramo dos imóveis, havia se lançado à prefeitura do Rio de Janeiro e resolveu surfar na onda do neo-bolsonarismo de Silva. Conseguiu mexer os seus pauzinhos e prometeu a ele que o tiraria da prisão se recebesse apoio político. Silva concordou.
 
Silva deixou a cadeia com pompas de heroi e conseguiu eleger Boaventura logo no primeiro turno como mágica. O novo prefeito do Rio ficou tão grato, que ofereceu para Silva um cargo no seu gabinete. Silva recusou, queria se dedicar a algo muito maior: à presidência da república.
 
Ele foi convencido durante seu período na cadeia a tentar entrar no poder pelas vias democráticas. Mas para isso, ele precisaria se render ao sistema para, quando entrasse lá, implodisse-o. Mas tinha medo de como seus apoiadores iriam lidar com isso, afinal, ele só chegou onde chegou graças ao seu discurso anti-sistema. Então começou, ainda na prisão, a se corresponder com seus apoiadores por meio de cartas. Foram 15 cartas no total no qual ele explicava o que deveria fazer para salvar o Brasil do esquerdismo. E nessas correspondências, amplamente divulgadas pela imprensa, ele enfatizava que a via democrática era a única possível por enquanto. Essas cartas viraram um livro intitulado "A guerra que escolhi". Virou best-seller.
 
Seus apoiadores, portanto, já sabiam exatamente o que deveriam fazer: vencer as eleições de 2026. A ordem era conseguir todo apoio possível. Os primeiros a aderirem foram os líderes das igrejas neopentecostais e os empresários. Silva resgatou o velho bolsonarismo no discurso. Agradou a direita e se alinhou a ala mais conservadora do Congresso que, com o seu nome, esperava conseguir muitos votos para a reeleição na câmara.
 
Porém, Lula não havia feito um governo de todo ruim. A economia não decolou, longe disso, mas fez o máximo que podia para manter o país nos eixos. O petista teve muita dificuldade para governar, já que o congresso barrava praticamente toda proposta do executivo. Velho demais para uma reeleição, seu vice, Geraldo Alckmin, saiu candidato junto com Simone Tebet como sua vice na chapa. Boulos, o nome mais forte da esquerda e tido por muitos como sucessor de Lula, concorreria ao Senado. Com isso a era petista havia chegado ao fim.
 
Com um discurso bem mais moderado e conciliador, Alckmin estava liderando as pesquisas, com Silva bem na sua cola. Às vésperas do início da pré-campanha uma bomba cai no cenário político. Silva desiste de concorrer à presidência e resolve sair como deputado. O plano era muito simples: ser o deputado mais votado da história, usar todo apoio que ele teria na Câmara, ser líder da oposição e presidir o congresso.
 
Silva foi bem-sucedido na sua escolha. Por São Paulo, recebeu mais de 18 milhões de votos para deputado. Alckimin também venceu com facilidade logo no primeiro turno. Seu adversário, Ciro Gomes, não teve mais do que 8 milhões de votos no Brasil todo. Silva estava dentro do jogo e agora poderia jogar.
 
Porém, no dia 01 de janeiro de 2027, o Brasil assistiria à cena mais assustadora da política nacional.

*A quarta parte do conto, que seria a última, ficou muito grande para caber em uma única coluna, portanto tivemos que dividi-la em duas.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação ([email protected])

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