OPINIÃO

O castigo dos prolixos


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Embora o falar esteja caindo de moda, porque foi substituído pelo whatsApp, ainda existem lugares em que a verbalização ocorre. As novas gerações não acreditam que pessoas na minha idade tenham ouvido longos discursos. Mas eles eram comuns.

As homilias nas missas eram longos sermões. Sem falar nas pregações missionárias em que se notabilizavam alguns célebres oradores. Em Jundiaí, havia periódicas missões salesianas, em que o famoso Padre Siqueira falava horas a fio.

Isso foi comum na Europa de que viemos. Tanto que era conhecido o epigrama de Giovanni Giraud: “Sobre as muitas desgraças desta vida/Falou três longas horas Frei Romão/E deixou a assistência convencida/ De que a pior desgraça era o sermão”.
Há pregadores que não sabem terminar. Quando estive em NY, pude assistir a muitas missas na Catedral de São Patrício. Quem falava era o Cardeal John Joseph O’Connor (1920-2000). Sua prédica era de três minutos. Mas não dava para esquecer o que ele dissera.

Voltei e tentei fazer com que um amigo sacerdote seguisse o seu exemplo. Esforços baldados. Ele continuou a falar demais.

Também eram longos os discursos acadêmicos. Tanto quem tomava posse, como quem recepcionava, se dispunha a esmiuçar a vida de quem partira e de quem estava entrando. Tanto que na Academia Brasileira de Letras, após uma sessão, o zelador encontrou a trova que segue: “Vir à Academia é desdita/Que atenta contra a existência/ Um morto se ressuscita/ Mas morre toda a assistência”.

O raro dom da síntese é um apanágio que poucos podem ostentar. Nas carreiras jurídicas, o defeito é ainda mais acentuado. Há quem se compraza com o ouvir a própria voz. Tem sido comum, ainda hoje, em recintos nos quais é facultada a palavra à assistência, a praga de “conferências paralelas”. Toma-se tempo precioso, deixando o convidado, que deve ser o principal orador, sem tempo de responder a demais questões.

A oratória era uma arte que reclamava formação especial. Em Jundiaí, cheguei, quando adolescente, a fazer um curso de oratória propiciado pelo SESI. Isso caiu de moda, mas continua firme nos cursos jurídicos e nas sessões do Foro em todas as instâncias. As sustentações orais, quando repetitivas, com advogados que não sabem manejar o idioma com proficiência, são, na verdade, contraproducentes.

Hoje, a imposição das redes sociais é a de que as falas sejam curtas, muito rápidas, reduzidas a menos de minuto. Daí o cansaço e o desconforto de quem é obrigado a ouvir perguntas longas, nas quais a tentativa de exibicionismo é maior do que a curiosidade em ver respondida a sua indagação.

O tempo é o único insumo que não pode ser comprado. O mais rico, o trilionário, não pode acrescentar tempo à sua existência. Seu tempo está contado, assim como a do mendigo, a do excluído, a do carente e do invisível.

A nossa anacrônica educação não ensina a falar. Porque não estimula a leitura. E quem não lê, não fala, não pensa, vegeta e não existe como ser racional. Mas se ensinasse, deveria propor concisão, objetividade, treino de técnica retórica, para que a linguagem preponderasse como a mais exitosa forma de comunicação. Infelizmente, não é o que acontece, na maior parte das vezes em que se é obrigado a ouvir a prolixidade, um castigo inevitável para quem tem paciência para escutá-la.
 
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo ([email protected])

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