João Guimarães Rosa disse em suas caminhadas pelo sertão, que “viver é um negócio muito perigoso”.
Nos dias atuais a impressão que se tem é que esse perigo, lamentavelmente, aumenta de forma desproporcional.
Há uma outra frase também interessante dita pelo grande e respeitadíssimo geógrafo Dr. Milton Santos, dizendo que “Os negros ainda sorriem, preocupa-me quando estiverem rangendo os dentes”.
É o que se vê nos dias atuais onde a comunidade negra é atacada indistintamente, constrangida, humilhada, maltratada, excluída, ofendida e até matada. A quantidade é tão grande que chega a ser interpretada com naturalidade, ou seja, de tão comum, deixa transparecer que não incomoda!
A formação educacional imposta ao povo negro foi no sentido de não reagir e aceitar com naturalidade o que se lhes apresenta, tudo com fundamento nas imposições escravagistas de submissão.
Esse estado de coisas não é mais issível. Já ou do tempo de repetir o ensinamento discriminatório e excludente vez que a busca pela igualdade e pelo respeito à dignidade da pessoa humana é a melhor solução e de qualidade da vida humana, bastando apenas e tão somente aprender a viver na e com a diversidade.
Já tive a oportunidade de afirmar que há espaços para todas as pessoas e que esse maldoso processo de submissão, inferiorização, por óbvio, não permite crescimento em âmbito nacional em todos os sentidos em vista a exclusão de mais da metade da população do processo evolutivo e civilizatório apenas pela cor da pele!
Uma das formas para diminuir essas desigualdades, inegavelmente, é a implementação da Lei Federal 10.639/03 e 11.645/08, que obrigam o ensino da história da África, afro-brasileira e indígena, por meio das quais será possível comprovar a importância de cada segmento na construção do Brasil e aliviando sobremaneira a tensão existente entre brancos e negros, conforme consta do valoroso parecer da prof. Petronilha Gonçalves ao subsidiar a aprovação do referido texto legal.
Não pairam duvidas que a educação eurocêntrica estimulou a divisão das pessoas ao sustentar e impor a teoria da supremacia branca sem qualquer fundamento cientifico, vez que o ser humano difere apenas na coloração da pele robustamente comprovada. Apesar dos danos causados a partir do escravismo e a maldosa ideia de inferioridade das pessoas negras, sustentadas pelos festejados filósofos iluministas, no auge do Século XVIII.
Alguns desses filósofos racistas diziam: “A escravidão é parte inalienável do poder” (Hobbes); “Aqueles a que nos referimos são negros da cabeça aos pés e têm o nariz tão achatado, que é quase impossível lamentá-los” e “Não podemos aceitar a ideia de que Deus, que é um ser muito sábio, tenha introduzido uma alma, sobretudo uma alma boa, num corpo completamente negro” (Montesquieu), somemos a teoria do branqueamento e da legislação facilitando o ingresso de europeus no Brasil sob alegação de “purificação da raça” proibindo a entrada de africanos, cujas medidas e não produziram o resultado esperado, tanto que a comunidade negra atualmente é maioria.
Seguir esses pensamentos amplamente divulgados pelos ditos intelectuais, apesar de ultraados, produzem efeitos, obrigando a adoção do regime de cotas raciais, na universidade, mercado de trabalho dentre os quais o próprio serviço público enquanto medida eficaz de superação desse quadro.
Os reflexos ainda são sentidos e afloram toda vez que se aborda o regime de cotas raciais, sendo que, nesses momentos, surgem as mais variadas manifestações, dentre as quais, invocando igualdade além de argumentos vazios, merecedores, de outro modo, reação para o fim de exigir, nada mais, nada menos, que o Direito e o respeito a dignidade da pessoa humana, sendo certo que, a partir da diminuição da desigualdade, indiscutivelmente e sem medo de errar, o Brasil cresce. Basta dar oportunidade e reparar o resultado. Talvez essa seja uma das causas da não oferta, por medo da superação, até porque ao receber oportunidade com dignidade, devolvem com qualidade inesperada, exemplar e de alta relevância.
Eginaldo Honório é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP ([email protected])