Orlando Moreira foi uma das primeiras pessoas que conheci por conta de meu trabalho na Farmácia São Paulo. Localizada na Vila Progresso, em Jundiaí, a farmácia onde eu trabalhava me proporcionava ida à cidade, praticamente todos os dias, para buscar medicamentos. Farmácias de bairro, na década de 1960, quando comecei a ganhar dinheiro trabalhando, tinham, no proprietário, o médico da família. Era comum fazer-se filas em busca de uma palavra do farmacêutico. Via isso todos os dias com seu Moacyr, o proprietário da farmácia onde eu trabalhava. E na minha ida à cidade, o fato se repetia! Mesmo não sendo de bairro, a Droga Orlando, localizada na rua Barão de Jundiaí, próxima à Praça Ruy Barbosa, tinha no seu Orlando Moreira o médico da família.
Como disse, era quase diária minha agem por esta drogaria para buscar medicamentos. Um dos balconistas era o que atendia funcionários de outras farmácias que por ali avam para não atrapalhar os clientes ou pacientes que buscavam pela drogaria. E era lá no fundo, ando por todos os balconistas, por todas as prateleiras de medicamentos, pela escada que dava o ao mezanino onde também havia remédios, que seu Orlando Moreira conversava com os pacientes, desejosos de terem uma saúde melhor.
E seu Orlando ajudava a melhorar a saúde de todos apenas com seu olhar: o sorriso era constante, a atenção ao ouvir os reclamos dolorosos dos atendidos já proporcionava uma melhora de 50% na saúde. Depois, o remédio e a explicação do funcionamento do mesmo completavam a recuperação. Do lado de fora do balcão enquanto esperava o "pacote" de remédios pedidos, eu visualizava tudo isso: seu Orlando cumprimentava a todos que estavam no balcão, mesmo que não fosse para falar com ele: sua atenção era igual para com todos. Quando me via, cumprimentava e já chamava o atendente das farmácias: "Já atendeu São Paulo?", dizia ele, me olhando, sorrindo e dando uma leve piscada como se isso ajudasse a acelerar o atendimento. Às vezes a frase era outra, talvez para não ser tão repetitivo, mas já chamava o atendente: "Roberto, o Moacyrsinho já foi atendido?" Mesmo não sendo este meu nome, sabia que falava de mim. E ele, por conta do grande número de pacientes a serem atendidos, às vezes nem me olhava, mas me percebia e já chamava atenção de seu funcionário, que já respondia do mezanino: "pacote pronto!" Era a 'deixa' para seu Orlando me olhar, sorrir, sinalizar positivo e continuar – sem se distrair – a fazer seu atendimento.
Não foram mais do que dois anos desta rotina. Não porque eu tenha deixado o emprego e buscado outra profissão, mas sim porque seu Orlando Moreira decidiu parar. O motivo não sei ao certo até porque, nos meus 15 anos de idade e começando a conhecer o mundo e as pessoas, não imaginava o tempo de dedicação ao trabalho que cada pessoa deveria ter. E numa sexta-feira de manhã, seu Moacyr me chamou de lado para dizer que eu trabalharia – pela primeira vez – num sábado e num domingo e não seria com ele: deveria chegar bem cedo à Droga Orlando para ajudar na contagem do estoque de remédios. E o motivo era simples: Orlando Moreira estava vendendo sua drogaria para uma família de chineses que se estabelecia em Jundiaí.
O movimento nestes dois dias foi intenso: o tempo era curto para contar todo estoque e seu Orlando estava ali, o tempo todo, orientando, sorrindo, incentivando, agradecendo a todos a ajuda. No final dos dois dias, lembro que colocou a mão no meu ombro, perguntou como me chamava, sorriu, disse que não ia esquecer o nome que nunca dissera e não conseguiu dizer o "obrigado" que imaginei fosse fazer isso. É que senti sua voz embargar e algumas lágrimas iam rolar de seus olhos.
Nunca mais vi seu Orlando Moreira! A drogaria foi vendida para os chineses, como disse. Mas hoje, quando o diante do prédio cuja drogaria não resistiu ao tempo, paro diante da porta e ainda ouço o som dos pacientes pedindo remédio e de seu Orlando chamando atenção de seu funcionário: "Já atendeu São Paulo?"
Nelson Manzatto é jornalista ([email protected])
Comentários
2 Comentários
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José Valentim Zillo 27/03/2024Não lembro do Nelson na farmácia, mas eu e meus familiares fomos atendidos muitas vezes pelo Moacyr, que era um ótimo profissional e lembro também da Droga Orlando, que era muito conhecida. Obrigado, Nelson, por recordar estas coisas tão importantes ficaram perdidas no tempo, doces lembranças. Abraço.
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José Roberto Moreira 22/03/2024Em nome dos familiares agradecemos pelo texto ,vc retratou muito bem o jeito de encarar a vida de meu saudoso pai.Nosso mais sincero obrigadíssimo