FABRÍCIO CORREIA

Leão 14: entre o rugido e o sopro

Por Fabrício Correia | Escritor e jornalista
| Tempo de leitura: 3 min
Leão 14: entre o rugido e o sopro
Leão 14: entre o rugido e o sopro

Ao ser eleito Papa nesta quinta-feira, 8 de maio de 2025, Robert Francis Prevost não apenas fez história como o primeiro pontífice nascido nos Estados Unidos. Ele inaugurou uma nova etapa do catolicismo global ao adotar um nome denso de significados: Leão 14. Um nome que carrega o peso de uma tradição que não é apenas simbólica, mas programática. E que, ao ser pronunciado pela primeira vez diante do mundo, já continha em si um gesto teológico, uma resposta e, talvez, um alerta.

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A convergência com o papado de Francisco é sutil, mas profunda. Francisco — o primeiro latino-americano a chegar ao trono de Pedro — tornou-se um reformador de gestos antes mesmo de sê-lo com documentos. Optou por habitar a Casa Santa Marta, recusou tronos, lavou os pés de imigrantes, abraçou marginalizados e insistiu que a Igreja não é um clube doutrinário, mas um hospital de campanha. Leão 14 bebe dessa fonte. Sua trajetória nas periferias da América Latina, sua atuação pastoral no Peru, e seu temperamento discreto, sugerem continuidade no espírito evangélico que moveu Francisco: o de uma Igreja pobre para os pobres.

No entanto, a escolha do nome rompe com a delicadeza franciscana. Enquanto Francisco ecoava o santo de Assis e suas andorinhas, Leão é o nome do animal que ruge. E não é qualquer rugido. Leão I enfrentou Átila, o Huno, de peito aberto, salvando Roma da destruição. Leão XIII, por sua vez, escreveu a Rerum Novarum, a encíclica que fundou a doutrina social moderna da Igreja, posicionando-a pela primeira vez de forma orgânica diante da questão operária e das mudanças do capitalismo. Leão, portanto, é um nome de enfrentamento. De afirmação histórica. Um nome que não apenas governa, mas imprime rumo.

Leão 14, assim, pode ser compreendido como o elo entre dois movimentos: a ternura pastoral de Francisco e a necessidade de firmeza institucional diante de uma Igreja fragmentada, pressionada por forças internas e externas. Não se trata de uma guinada conservadora, mas de uma tentativa de dar musculatura a uma Igreja que, sob Francisco, se tornou mais visível, mas também mais vulnerável.

O símbolo do leão na tradição cristã é ambivalente. Representa o Cristo ressuscitado no Apocalipse como o Leão da Tribo de Judá. Mas também aparece como figura do demônio na Primeira Carta de Pedro: “vosso adversário, o diabo, anda em derredor, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar.” Leão é força — e seu sentido dependerá de quem a exerce. Ao escolher esse nome, Prevost parece dizer que deseja rugir contra as injustiças do mundo, mas também proteger sua Igreja dos abismos que a cercam.

Há ainda um subtexto político. O nome Leão foi usado pela última vez no século 19. Ou seja, após mais de um século de papas com nomes mais afeitos ao culto pessoal (João, Paulo, Bento, Francisco), a retomada de Leão sugere não uma homenagem, mas uma retomada de força institucional. Um papado com memória de poder, mas que se pretende ético, consciente, moderno — como o de Leão 13.

Leão 14 inicia seu pontificado em um mundo onde o catolicismo já não é o centro inconteste das decisões morais. Onde a secularização é irreversível na Europa, o sincretismo domina a América Latina, e as teologias da prosperidade avançam na África. Francisco preparou o terreno com sua linguagem do afeto e do acolhimento. A Leão 14, talvez, caiba proteger essa construção — não com muros, mas com firmeza, clareza e, se necessário, com autoridade.

Em tempos de extremos, o novo Papa se vê diante da exigência de manter viva a alma evangélica de Francisco e, ao mesmo tempo, evitar que a Igreja se dissolva num mundo cada vez mais líquido. Seu nome é um programa. E sua missão, um desafio que só será compreendido com o tempo — esse aliado dos leões.

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