POLÍTICA

Lula enfrenta resistência e perde controle de pacote eleitoral

Por Ranier Bragon e Raphael di Cunto | Folhapress
| Tempo de leitura: 7 min
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva

A um ano e quatro meses das eleições de 2026, o governo Lula (PT) tem uma série de propostas que vão se incorporar à possível campanha do presidente para obter um quarto mandato, mas a instabilidade da base de apoio no Congresso retirou do Palácio do Planalto o controle sobre o formato e o tempo de aprovação dessas medidas.

Temas como o aumento da isenção do Imposto de Renda, a alta da arrecadação via elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), a PEC da Segurança Pública, a isenção da conta de luz, a regulação das redes sociais e a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos enfrentam resistência na Câmara dos Deputados e no Senado e devem ar por grandes mudanças — alguns podem até não ser votados.

Um exemplo nesse sentido se deu na última quarta-feira (28), quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara debateu a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Segurança Pública, que busca dar ao governo mais protagonismo em um tema em que a direita predomina.

Foram convidados dois governadores para o debate: o oposicionista e pré-candidato à Presidência Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e o governista Helder Barbalho (MDB-PA).

Enquanto Helder listou sugestões de mudanças no texto elaborado pela equipe do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça), Caiado dominou o debate com um leque de críticas à proposta que, segundo ele, deveria ser rejeitada de imediato.

Deputados de oposição e da chamada bancada da bala marcaram forte presença na sessão. O relator da proposta na CCJ, Mendonça Filho (União Brasil-PE), a quem caberá elaborar o parecer, é do mesmo partido do governador e da ala da sigla de oposição a Lula.

A isenção da cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 é outro foco de preocupação do governo.

Promessa da campanha de 2022 e espécie de carro-chefe das medidas com as quais Lula busca melhorar a popularidade, o projeto está em fase inicial de tramitação no Congresso, sob relatoria do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).

"Penso que não teria apoio mínimo do plenário da Câmara, quanto mais do Senado, se houver perspectiva ou a ilação de que os estados e municípios estariam perdendo recursos e receitas", afirmou Lira na quarta-feira, deixando claro que fará mudanças na proposta gestada por Fernando Haddad (Fazenda).

Uma das modificações é defendida formalmente pelo próprio PP, o partido do ex-presidente da Câmara. O projeto estabelece um imposto mínimo de até 10% para altas rendas, uma forma de taxar a distribuição de lucros e dividendos, hoje isenta no Brasil. O PP quer elevar de R$ 50 mil para R$ 150 mil a renda mensal mínima para ser elegível a essa tributação.

Embora seja uma decisão do governo que não precisa ar pelo Congresso, o recente aumento do IOF como forma de remediar as contas federais também caiu mal no Legislativo e pode ser esvaziado por pressão de deputados e senadores.

Haddad e Lula levaram, nesse caso, broncas públicas e ultimatos dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O primeiro disse esperar que seja a última vez que o governo tenta "usurpar as funções do Legislativo". O segundo chamou a medida de "gambiarra".

O governo ficou de apresentar uma alternativa em dez dias, sob ameaça de ver a medida derrubada pelo Congresso via decreto legislativo. Se isso ocorrer, a perda de arrecadação seria de R$ 19,1 bilhões só em 2025.

A medida provisória que visa isentar 16 milhões de consumidores de baixa renda do pagamento da conta de luz também é alvo de críticas da cúpula do Congresso. Há preocupações, por parte dos governistas, especialmente por causa dos atritos entre Alcolumbre e o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).

De acordo com relatos, os chefes do Congresso disseram que esperavam uma conversa prévia com o presidente da República, mas foram recebidos apenas para a cerimônia de .

Na sexta-feira (30), Lula lançou outra medida que deve compor a sua provável campanha no ano que vem: o recém-batizado Agora Tem Especialistas.

O projeto visa reduzir a fila de espera por consultas e procedimentos especializados no SUS (Sistema Único de Saúde) por meio de parcerias com a iniciativa privada. Também terá que ar pelo Congresso.

Outra iniciativa lançada há mais de um ano pelo governo, com pouca repercussão, foi o projeto de lei para regulamentar os motoristas de aplicativos. A proposta enfrentou resistências da própria categoria, o que obrigou Lula a recuar do pedido de urgência.

O texto ou por diversas mudanças nas mãos do relator, o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), mas não houve consenso nem sequer para que fosse votado pelas comissões. Agora, o presidente da Câmara determinou a criação de uma comissão especial. O projeto do Executivo será praticamente descartado, e a consultoria técnica da Câmara vai elaborar um novo texto.

O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), minimiza as dificuldades e diz que os projetos vão avançar também por interesse do Congresso em apresentar ações para a sociedade, como seria o caso da PEC da Segurança Pública e do aumento da faixa de isenção do IR.

No caso das mudanças no setor elétrico, o petista destaca que o governo terá um trunfo, por se tratar de uma MP, que entra em vigor imediatamente. "O impacto na conta de luz dos mais pobres já estará valendo quando a medida for votada. Vai ser difícil derrubá-la."

Na lista de temas ainda não enviados ao Legislativo, um dos destaques é a regulação das redes sociais, cujo projeto de lei está em fase de conclusão.

"Não é possível que tudo tenha controle, menos as empresas de aplicativos", disse Lula no último dia 24.

O tema ganhou recente projeção após vir a público o fato de a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, ter citado supostos efeitos nocivos da plataforma TikTok durante jantar com o presidente da China, Xi Jinping.

A regulação, porém, enfrenta forte oposição do bolsonarismo no Congresso e foi barrada mesmo quando foi capitaneada pelo então todo-poderoso Arthur Lira, em 2024.

Lula derrotou Jair Bolsonaro (PL) em 2022, mas viu o Congresso ser dominado por partidos de centro e de direita, o que o obrigou a formar uma inédita aliança já no governo de transição.

Ele distribuiu inicialmente nove ministérios à União Brasil (sigla que tem origem na Arena, o partido da ditadura militar), PSD e MDB. Depois, ampliou o leque para 11 e incluiu na aliança PP e Republicanos.

Esses partidos, porém, têm aplicado sucessivas derrotas ao governo no Congresso, abrigam focos de oposição aberta e flertam também publicamente com o bolsonarismo e com uma candidatura rival a Lula — o preferido por todos eles é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Isenção de IR até R$ 5.000

  • Objetivo: promessa de campanha; é aposta do Planalto para melhorar a avaliação de Lula
  • Tramitação: em discussão na comissão mista do Congresso, 1º o do andamento
  • Entraves: o relator, Arthur Lira (PP), cobra compensação a estados e municípios. O seu partido, o PP, quer ampliar a faixa da tributação de altos rendimentos de R$ 50 mil para R$ 150 mil

Aumento do IOF

  • Objetivo: garantir R$ 20 bi em 2025 e R$ 40 bi em 2026 à arrecadação federal
  • Tramitação: decisão do governo, sem necessidade de aval do Congresso
  • Entraves: parlamentares ameaçam derrubar a medida por decreto legislativo, exigindo revogação ou alternativa

Consignado para CLT

  • Objetivo: estimular a economia e impulsionar a popularidade de Lula
  • Tramitação: em discussão na comissão mista do Congresso, 1º o da tramitação
  • Entraves: enfrenta menor resistência entre as pautas econômicas do governo

Isenção na conta de luz

  • Objetivo: beneficiar 16 milhões de consumidores de baixa renda
  • Tramitação: editada via medida provisória no dia 21
  • Entraves: os presidentes da Câmara e do Senado reclamaram nos bastidores de não terem sido consultados, e o próprio Lula prevê dificuldades no Congresso; custo pode recair sobre demais consumidores

PEC da Segurança

  • Objetivo: dar maior protagonismo ao governo em tema em que a esquerda está a reboque
  • Tramitação: em debate na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
  • Entraves: oposição e bancada da bala querem desfigurar o texto do Ministério da Justiça

Programa Agora Tem Especialistas

  • Objetivo: reduzir filas por consultas e por procedimentos especializados e se tornar uma marca do governo Lula na saúde
  • Tramitação: anunciado na sexta-feira (30), terá que ar pelo Congresso
  • Entraves: recicla programa de 2024 e levanta dúvidas sobre parcerias com o setor privado

Regulação de Redes Sociais

  • Objetivo: promessa de Lula e bandeira da esquerda
  • Tramitação: proposta ainda não enviada ao Congresso
  • Entraves: enfrenta forte resistência do bolsonarismo e do Legislativo, que já barrou tentativas anteriores

Trabalhadores de aplicativos

  • Objetivo: regulamentar a atividade e proporcionar direitos trabalhistas à categoria, mais alinhada ao bolsonarismo
  • Tramitação: projeto enviado por Lula em 2023 ao Congresso, jamais foi votado
  • Entraves: texto do governo enfrenta resistência na própria categoria. Câmara deve ignorar proposta e elaborar novo texto

Gás para Todos

  • Objetivo: ampliar o vale-gás para 22 milhões de famílias
  • Tramitação: projeto enviado em agosto ao Congresso, pode ser reeditado como medida provisória
  • Entraves: governo bate cabeça para definir forma de financiamento e modelo do voucher para compra do botijão de gás

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