
Foram só os 100 primeiros dias, mas estou aqui para dar o testemunho de que coragem, afeto e disposição para o trabalho podem, sim, fazer a diferença.
Quando entrei para a política, ouvi muito o apelo: “não se venda”. E, embora no imaginário popular isso pareça simples — como um voto de sim ou não —, acabei descobrindo barreiras intransponíveis para qualquer “exército de um homem só” em um espaço configurado para manter o status quo. Mas... e se agora for uma mulher?
Em apenas três meses, senti na pele os sabores e dissabores de ser uma voz destoante num espaço onde muitos já parecem ter se conformado. Por isso, quero compartilhar com vocês um pouco dessa minha experiência como vereadora novata.
Antes mesmo de assumir, fui chamada ao gabinete do prefeito. Como se fosse uma grande utopia, me foi oferecida a chance de participar das decisões sobre a cidade — especialmente na área da cultura, que estaria prestes a sofrer com a queda da FEAC.
Já na segunda semana de mandato, lá estava eu enfrentando a reforma istrativa feita às pressas pelo prefeito. Cobrava transparência, clareza e defendia que os direitos da população não fossem rasgados no papel. Essa reforma recriava dezenas de cargos — alguns, inclusive, com supervisores sem supervisionados — e extinguia o Centro de Educação Integrada (CEI), que atende cerca de 200 pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Criava ainda uma Secretaria de Esporte e
Cultura sem apresentar responsáveis nem previsão orçamentária. Contratava uma empresa de videomonitoramento, ignorando as atribuições da Guarda Municipal, além de deixar de convocar concursados. E, como se não bastasse, tentava mudar na marra a escala dos trabalhadores da urgência e emergência, propondo horários absurdos — típicos de quem desconhece a realidade das mulheres que precisariam trocar de turno às 1h da manhã.
Defendi o CEI com unhas, dentes e argumentos. Alegaram que o fechamento da instituição era uma exigência do Ministério Público. Mentira! Promovemos debates e audiências públicas, articulamos com o MP, com secretarias e com a comunidade. Provamos que não havia nenhuma denúncia formal. E deu certo: o CEI continua!
Com as energias renovadas pela justiça feita, me lancei na construção de debates públicos fundamentais sobre saúde, cultura, transporte e educação especial — sempre com o povo dentro! Foram audiências públicas, reuniões abertas e plenárias que colocaram os interesses da cidade acima das disputas de gabinete.
Nesse período, o prefeito deu aumento no vale-alimentação para o alto escalão e nenhum reajuste real para os servidores municipais — e achou que ia ar batido. Deu ruim, prefeito!
Apesar de ter sido voto vencido todas as vezes que reivindiquei mais transparência, o dissídio dos servidores foi o golpe mais amargo. Mesmo tendo um ano para negociar, sindicato e prefeitura apresentaram a proposta na Câmara com apenas duas semanas antes do prazo final — sob a chantagem de que, se não aprovássemos, o vale-alimentação seria retirado. A primeira tentativa, em regime de urgência, não conseguiu os votos da base do prefeito. A negociação foi estendida por mais uma semana, num jogo de desgaste para fazer os servidores desistirem. Mas não desistiram. Virou greve.
Votei favorável à manutenção do vale-alimentação e compreendi toda a revolta dos servidores. Foi então que instaurei a Comissão Especial de Assuntos Relevantes (CEAR) do Servidor Público, para investigar as condições de trabalho nos setores da cidade. As audiências públicas por setor serão espaços abertos para esses profissionais relatarem seu cotidiano e proporem soluções concretas para melhorar sua qualidade de vida e o atendimento à população.
Poucas semanas depois, o prefeito enviou um projeto de lei pedindo mais de 26 milhões de reais — sem nenhuma transparência sobre o destino do recurso. Votei não. Sozinha. O prefeito correu para as redes sociais e me mandou o recado: “Marília, não é assim que se faz política.” Está acostumado a receber cheques em branco. E ainda aproveitou para um clássico recurso machista de explicar a uma mulher como as coisas funcionam, como se ela não tivesse capacidade de entender ou refutar.
Enquanto tudo isso acontecia, fiz caminhar projetos sensíveis, com firmeza, como:
- Lei de prioridade no atendimento para mães solo na saúde;
- Lei de Obras Transparentes (porque ninguém merece obra eterna, escondida e mal explicada);
- Projeto "Escola e Universidade Seguras e Iluminadas", para que estudantes noturnos tenham segurança de ir e voltar para casa;
- Entrega de ambulância conquistada com apoio do deputado Guilherme Cortez.
E não parei um segundo! Visitei escolas, clínicas, órgãos públicos, participei de fóruns, rodas de conversa sobre TEA, caminhei por uma educação especial digna, promovi o evento pelos 40 anos da democracia, por meio da Comissão de Justiça e Paz, participei da campanha Fora São José e estou fazendo consultoria com o Instituto Jevy Cidades que já implementou o tarifa zero em quase 200 cidades no Brasil... Ufa!
E tudo isso com o coração onde sempre esteve: nos direitos das mulheres, na luta das mães, nas pautas da diversidade, na cultura e na educação como ferramentas de transformação, e na escuta real das periferias.
Hoje, faço política como quem faz cultura: com atenção a cada detalhe, mas mirando longe. Se em 100 dias já foi assim, imagina o que mais pode ser feito nos 1.347 restantes com o apoio da população.
Aproveitando o clima de mandar recado, venho reafirmar: a gente não entra pra fazer como sempre foi. A gente entra pra mudar as regras.
Marília Martins é professora, produtora cultural, foi membro do Conselho de Políticas Culturais, do Conselho da Condição Feminina e atualmente é vereadora pelo Psol.
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Comentários
5 Comentários
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ORDANS 04/05/2025Não fez mais que a obrigação e ainda é muito bem paga para isto,com nossos impostos principalmente de Autônomos carregamos está cidade nas costas,lembrando como já dizia Winston Churchill,politicos são iguais fraldas precisam ser trocados de 4 em 4 anos pelo mesmo motivo.
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jaques campos 29/04/2025Parabens a vereadora! Que sua atuação na câmara sirva de modelo para seus pares que não exercem seus mandatos em conformidade com a etica.
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Gabiroba 28/04/2025É bizarro termos que parabenizar alguém por ela fazer a sua obrigação de forma correta! Mas no meio político onde oque mais tem é hipocrisia, machismo, acordos secretos, desonestidade e inoperância... É um pequeno alento ver alguém fazendo minimamente algo relevante, ou sendo um fiscalizador de um prefeito que é mestre da oratória e enrolação. Então! Parabéns pelo trabalho, mas continue firme e coloque energia naquele museu de homens enrolados! Aproveite que tem esse canal liberado para comunicar oque tem feito e denunciar oque não estão colaborando!
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André 27/04/2025resumindo pra quem tá com preguiça de ler: Mi mi mi mi mi mi mi
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Lils 27/04/2025Parabéns Marília, me orgulho por ter votado em vc, continue firme na luta.