ECONOMIA

Brasil caminha rumo ao colapso fiscal, diz ex-ministro da Fazenda

Por André Fleury Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 6 min
Jefferson Rudy/Agência Senado
Ex-ministro Maílson da Nóbrega estará em Bauru na quinta-feira (5) para evento na subseção da OAB
Ex-ministro Maílson da Nóbrega estará em Bauru na quinta-feira (5) para evento na subseção da OAB

O Brasil de hoje é um país bastante diferente daquele que Maílson da Nóbrega, hoje sócio da Tendências Consultoria, encontrou quando assumiu o Ministério da Fazenda em 1988, ao final do governo Sarney. A redemocratização estava em curso, a Constituição ainda cheirava a tinta e os desafios econômicos se impunham sobre a agenda nacional.

Quase quatro décadas depois, o ex-ministro afirma que o País vai pagar caro pelas escolhas estruturais feitas naquela época, especialmente no desenho do pacto federativo e na expansão descontrolada dos gastos públicos.

Em entrevista ao JC dias antes de vir a Bauru para um evento na OAB, na quinta-feira (5), o ex-ministro analisa a autonomia istrativa conquistada pelos municípios e a própria proliferação deles, diz que o País caminha para um colapso fiscal e que dessa crise pode surgir um senso de dever nacional para colocar o Brasil novamente nos trilhos. A seguir, os principais trechos da conversa.

JC - O Brasil vive hoje um cenário diferente do que tinha quando o sr. foi ministro. Com municípios mais autônomos, com muito mais recursos e não necessariamente mais eficientes. O que mudou na sua avaliação?

Mailson da Nóbrega - A autonomia que os municípios ganharam é istrativa. Os municípios são parte da federação e isso é uma característica brasileira. Nos Estados Unidos ou na Alemanha, por exemplo, os municípios são vinculados aos estados.

Antes da Constituição, o Fundo de Participação dos Estados e Municípios correspondia a 30% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre a Propriedade Industrial (IPI). Com a Carta, a parcela do IR foi elevada a 44% e o IPI a 54%. De certa forma, eu acho que os municípios estão mais organizados, principalmente ao advento da tecnologia e o que a acompanhou.

Muito provavelmente o que houve foi um desperdício de recurso derivado de uma multiplicação de cidades. Hoje temos 5.565 municípios; naquela época [quando fui ministro] eram cerca de 4 mil. Essa organização gerou custos desnecessários em alguns casos, já que toda cidade deverá ter prefeito, vice, secretários e vereadores. Esse aumento sobre a participação nos impostos estimulou a proliferação de municípios.

JC - De fato nós vemos que muitos governos pisam no acelerador no que diz respeito às despesas. Temos um Congresso que gasta muito, com valor bilionário de emendas, um Governo Federal também com despesas elevadas. Isso me parece ocorrer em toda a federação. Aonde vamos parar?

M.N -Temos um processo de gasto excessivo. O Brasil tem um gasto público, compreendendo a União, Estados e municípios, próximo a 40% do PIB - muito superior ao que praticam países mais ricos. Isso exigiu uma carga tributária crescente. Para se ter ideia, a carga tributária quando do início da Constituição girava em torno de 22% a 24% do PIB. Hoje está em 32%.

Isso resultou em parte de um generoso sistema previdenciário. O Brasil gasta 88% de suas despesas totais com aposentadorias e pensões. O gasto previdenciário que era 32% do PIB em 1988 hoje está em 52% do PIB. E o País ainda criou uma esquisitice que é a aposentadoria vinculada ao salário mínimo, o que significa que aposentados e pensionistas têm aumento real sobre a renda, o que não existe em lugar nenhum do mundo - os países geralmente repõem a inflação.

Ainda nesse aspecto, temos certos gastos obrigatórios problemáticos. A nível federal, as despesas obrigatórias somam 96% do gasto primário da União. Isso significa que a União tem apenas 4% de seu orçamento para aplicar em ciência, tecnologia, Forças Armadas, Judiciário, enfim. Isso é insustentável e está levando o País a um colapso fiscal.

Basta ver na Lei de Diretrizes Orçamentárias, segundo a qual a margem de gastos do arcabouço fiscal estará ocupada inteiramente por gastos obrigatórios. Aí não teremos capacidade de investimento nem nada. Tudo vai a 0.

JC - Temos um problema enquanto federação, então.

M.N. - Sim, é insustentável. E isso é resultado basicamente dos das decisões da Constituição de 1988. Ela foi elaborada em período de crise econômica, de muita desigualdade, e os constituintes acharam que tinham que eliminar essas desigualdades gastando mais em aposentadoria, salário do servidor público, monopólios estatais e assim por diante. O Brasil vai pagar o preço dessa irresponsabilidade.

Um outro problema envolve a baixa produtividade da economia brasileira. E por isso, o Brasil cresce eh tem crescido nos últimos anos a um ritmo mais baixo do que outros. Para se ele se equiparar e ser um país rico, tem que crescer mais rapidamente do que os ricos. Por exemplo, o crescimento acumulado dos Estados Unidos nos últimos 10 anos foi de 28,3%. Do Brasil, 8,3%.

Acho que nós vamos ar por uma crise novamente e ela vai ser o gatilho para a formação de um consenso nacional, de um outro senso de urgência e do apoio à realização dessas reformas. Isso inclui uma reforma istrativa e eliminar essa ideia, que não tem em canto nenhum do mundo, de um piso de gastos de educação e saúde. Teremos de desvincular salário mínimo de aposentadoria.

JC - O sr. menciona muito a questão da eficiência istrativa. O Brasil tem histórico ruim na avaliação de desempenho do serviço público e uma estabilidade estendida a carreiras que não necessariamente deveriam ter. Apenas 0,19% daqueles que entram em estágio probatório, por exemplo, são demitidos no âmbito federal. É hora de mudar isso?

M.N. - De certa forma isso está na Constituição. A emenda número 20, na época do ex-presidente FHC, estabeleceu que a regra de estabilidade se aplicaria apenas a carreira típica de Estado. Mas isso nunca foi regulamentado. A gente menciona uma reforma istrativa não para cortar gastos, até porque isso leva 40 anos. Mas para corrigir distorções muito graves de remuneração no serviço público. Você tem uma verdadeira casta de juízes e procuradores, por exemplo, que ganham R$ 100 mil, R$ 200 mil por mês. Isso tem que ser revisto.

Você não pode ter um salário de entrada no setor público muito superior à média do setor privado. Se você pegar um escritório de advocacia, o salário inicial de advogado é de no máximo R$ 8 mil. No caso de juízes e procuradores, eles entram ganhando mais de R$ 20 mil.

O ideal é termos dois regimes de pessoal. Um às carreiras típicas de Estado, como diplomacia, Forças Armadas, Judiciário, Receita Federal e assim por diante. E outro, que permite a demissão, que envolvem atividades que se assemelham ao setor privado.

JC - Comentamos a questão do aumento da carga tributária e não dá para falar nisso sem a questão do IOF, que atormentou ao longo da última semana. Como o sr. avalia o caso?

M.N. - Eles [governo] recorreram ao IOF por duas razões, a meu ver. Primeiro porque se deram conta do tamanho da crise que está vindo. Então, para cumprir a meta, aumentaram o IOF. A segunda é porque o governo federal fica com quase tudo da arrecadação desse tributo. Só que o Congresso reagiu. Só que o ministro da Fazenda foi muito franco ao dizer que não tem saída e dizer que não vai ter dinheiro para mais nada. Eles usam um pouco de terrorismo, mas a minha impressão é de que o governo está correndo um sério risco de uma derrota no Congresso. E aí pode ser uma coisa muito grave.

Porque o governo pode caminhar rapidamente para uma paralisação de atividades relevantes, como manter estudantes que fazem cursos no exterior, representações diplomáticas e o próprio Judiciário. Você pode gerar um processo grave de crise.

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