
Em nossas cidades, com pouco mais de 30 mil habitantes, uma realidade revoltante tem atingido nossos aposentados e pensionistas: fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que roubam suas rendas e um sistema judicial que, em vez de protegê-los, os transforma em vítimas pela segunda vez, punindo-os pelo simples ato de buscar justiça. Atuando há mais de 10 anos como advogados na comarca, com forte atuação em ações contra instituições financeiras e defesa de aposentados, temos acompanhado de perto — e com crescente indignação — o drama vivido por beneficiários do INSS.
Recentes operações policiais expam a gravidade dessas fraudes em todo o Brasil. Em abril de 2025, a Polícia Federal desmantelou um esquema que desviou R$ 6,3 bilhões de beneficiários do INSS, com associações de fachada cobrando taxas irregulares, muitas vezes usando s falsificadas, até de analfabetos, revelando falhas graves no controle do INSS, permitindo que esses crimes ocorressem durante vários anos. Em uma dessas operações, foram apreendidos carros de luxo, como Ferraris, comprados com o dinheiro “roubado” dos aposentados e pensionistas.
Em nossas cidades, essas fraudes também fazem inúmeras vítimas. Aposentados e pensionistas percebem descontos estranhos e desconhecidos em seus benefícios, como taxas de associações / sindicatos que nunca contrataram ou empréstimos que não autorizaram ou ainda cartões de crédito emitidos sem o seu conhecimento ou recebimento do dito cartão.
Ao buscarem a Justiça, porém, tornam-se alvos de um sistema que os castiga por exercerem seu direito constitucional de ação. Processos são paralisados sob a acusação de “litigância predatória”, “petições genéricas” ou “abuso do direito de ação” como se o aposentado estivesse abusando do Judiciário. Documentos apresentados com grande esforço nos processos, como extratos bancários ou comprovantes do INSS, são frequentemente ignorados. Em vez de analisar cada caso com atenção, juízes emitem decisões padronizadas, que parecem cópias umas das outras, sem considerar as provas ou a vulnerabilidade dessas pessoas. Assim, a vítima da fraude se torna vítima pela segunda vez, humilhada e desrespeitada pelo próprio sistema que deveria protegê-la.
A prova do absurdo praticado pelos juízes é que suas decisões já estão sendo revertidas no Tribunal de Justiça de São Paulo, que, ao analisar a petição que dá início ao processo e os respectivos documentos, confirmam expressamente não se tratar de “litigância predatória”, “petições genéricas” ou “abuso do direito de ação”. Ainda assim, clientes e advogados perdem um tempo valioso — especialmente escasso para o idoso, cuja idade não permite demoras — para afirmar o óbvio e garantir que, vejam só, a lei seja efetivamente aplicada.
A diferença de tratamento é chocante. Enquanto o aposentado, que muitas vezes sobrevive com menos de um salário-mínimo, é tratado com desconfiança e até multado por “ousar” questionar os descontos, os responsáveis pelas fraudes — bancos, seguradoras e associações fraudulentas — raramente enfrentam punições severas, de acordo com a gravidade da sua conduta. Onde estão as condenações contra essas instituições que lesam cidadãos? Por que a justiça é tão rígida com o aposentado e tão branda com quem lucra milhões com essas práticas?
Essa situação viola a Constituição Federal, que garante a todos o direito de buscar justiça (artigo 5º, XXXV), e fere a dignidade de pessoas que já enfrentam tantas dificuldades, pois em sua maioria esmagadora são idosos de pouca letra e com baixa renda (menos de um salário-mínimo), dependentes de inúmeros remédios em consequência da idade avançada e da vida ainda mais sofrida que tiveram no ado, remédios esses muitas vezes por eles diretamente adquiridos, já que o Estado não os proporciona, nem em quantidade, nem em qualidade e tampouco com a regularidade de que necessitam.
Em nossas Comarcas, já denunciamos essas barreiras ilegais à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas, infelizmente, as mudanças ainda não vieram. Enquanto isso, os mais pobres seguem pagando o preço de um sistema que parece proteger os poderosos.
Para quem suspeita de descontos indevidos, uma dica é verificar o extrato de pagamentos no aplicativo “Meu INSS” ou ligar para a Central 135, e, se necessário, posteriormente buscar ajuda de profissionais que tenham conhecimento dessas ocorrências. Mas, o que é mais urgente, é a mudança de abordagem do Poder Judiciário, analisando cada processo com o cuidado que exigem e respeitando os direitos dos aposentados e pensionistas.
ESCRITO POR:
LEANDRO RAZERA STELIN é advogado e sócio do escritório Marcos e Razera Sociedade de Advogados; especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Foi assessor de juiz no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás entre 2016 e 2022. Membro da Comissão Especial de Direito Bancário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo.
DANIEL MARCOS é advogado e sócio do escritório Marcos e Razera Sociedade de Advogados. Membro da Comissão Especial de Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Mirandópolis, Seção de São Paulo.
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